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INCONGRUÊNCIAS NA DESESTATIZAÇÃO DA SABESP

Por Francine Delfino


No dia 17 de outubro de 2023, foi apresentado o Projeto de Lei nº 1.501/2023, de autoria do atual governador do Estado de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que visa a implementação de medidas de desestatização da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo - SABESP. Logo na carta de apresentação do projeto, o Excelentíssimo Senhor Governador justifica o pedido em supostos estudos das Secretarias de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística e de Parcerias em Investimentos, que resultaram na viabilidade do requerimento.

Na exposição de motivos, assinada pelos Secretários dos órgãos acima mencionados, houve a justificativa de que a desestatização - amparada no artigo 47, XV, da Constituição Estadual - irá salvaguardar os objetivos de interesse público da prestação dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário no Estado. Todavia, não fica claro quais itens técnicos estão efetivamente sendo tratados neste item, visto que a iniciativa privada, ao assumir a gestão dos referidos serviços estatais, precisará demonstrar lucro aos seus acionistas. Isso acarretará em uma prestação que atinja maior amplitude com menos investimento, o que necessariamente implicará em alternativas de tratamento mínimos, ou seja, longe do tratamento ambientalmente correto, colocando em risco a saúde da população atendida.

É certo que toda empresa que explora atividade econômica visa a obtenção de lucro. Esse é o propósito do referido instituto. No entanto, para que o lucro possa existir é preciso que o valor final do bem ou serviço aumente ou haja a redução do custo na cadeia produtiva. Essa é uma realidade inegável.

Entretanto, quando nasceram as empresas estatais, havia o objetivo de que os serviços essencialmente prestados à população seriam financiados, não apenas pela arrecadação dos tributos, mas sim por pessoas jurídicas que seriam geridas nos modelos empresariais de tomadas de decisões. No entanto, essas empresas teriam a garantia de que não haveria cortes de pessoas repentinamente, apenas por enfrentamentos de crises econômicas. Por esse motivo, o servidor público recebe incentivos financeiros - quinquênio, sexta parte, dentre outros - para se manter no mesmo local por longas datas, garantindo um aprimoramento que é comum da experiência vivenciada na prática pelo profissional ali lotado.

Assim como havia a garantia de que os processos de gestão não priorizariam os ganhos sem considerar a qualidade do serviço. Isso é comum nas corporações privadas, que naturalmente priorizam o lucro, o que podem aplicar a elevação de preços por influência do mercado econômico. Apesar de não ser concorrencial, o mercado de saneamento recebe interferência indireta no preço final decorrente da cadeia de produção que fica mais onerada.

O serviço de saneamento básico - potabilidade de águas, tratamento do esgotamento sanitário, drenagem das águas e manejo dos resíduos sólidos - nasce para proteger a saúde da população frente aos rejeitos fisiológicos e, posteriormente, industriais, no manejo das águas. Ao longo dos anos e do maior crescimento populacional e dos adensamentos, o desafio fica cada vez maior. Isso ocorre em um contexto em que já está comprovado ser a água um bem finito, tudo isso frente aos problemas econômicos mundialmente enfrentados após a pandemia do COVID-19.

Por qual motivo o Governo do Estado de São Paulo abriria o capital de uma empresa que precisa de mais proteção estatal para o mercado voraz de ações próprio da iniciativa privada? Onde há modicidade tarifária? Ao primeiro sinal de crise os acionistas irão aprovar aumento das tarifas, pois os princípios empresariais jamais permitiriam suportar prejuízo individual em favor do coletivo, Onde há antecipação de meta? Como antecipar a meta que estava prevista para 2018? - estimativa feita pela própria SABESP em 2009 quando contava com um patrimônio de US$4 bilhões e investiu R$1,6 bilhão em São Paulo - no cumprimento das metas de universalização dos serviços de saneamento?

A exposição de motivos afirma que o Estado de São Paulo é referência nacional no serviço de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto, situado acima da média nacional quanto à qualidade dos serviços e o percentual de população atendida. Entretanto, no Ranking do Saneamento de 2023, dos quinze primeiros municípios com nota máxima nos indicadores de atendimento, apenas dois são do Estado de São Paulo, sendo cinco municípios do Estado do Paraná, o que já mostra claramente que o Estado não possui o destaque narrado no documento.

Alega, o referido documento, que a desestatização prioriza a segurança jurídica e regulação adequada, proporcionando maiores investimentos, melhor qualidade e menores preços dos serviços prestados à população. No entanto, segurança jurídica só é garantida por aquele que mais detém estabilidade econômica, ou seja, o Estado, como detentor de maiores riquezas e uma rigidez maior no manuseio de suas receitas. Não há como garantir segurança jurídica no capital aberto privado, rememoremos episódios de grandes empresas que quebraram em poucas semanas por decisões que buscavam melhorar os ganhos, a partir de fatos econômicos, tais como: Mappin, VASP, Varig, dentre muitas outras.

Façamos uma suposição de que qualquer influência econômica possa ocorrer, decorrente de uma nova pandemia, guerras ou qualquer fator, qual seria o futuro do fornecimento de água? E a continuidade do tratamento de esgoto, que não é uma função fácil e exige constante manutenção e investimento? Ficaria pausado até a influência passar? Seria excessivamente onerado para que pudesse ser mantido? Quem pagaria esse preço no momento de maior fragilidade econômica? Por certo que seria a população que teria que compensar a manutenção do lucro e do serviço, sim, nesta ordem!

Como, em números, os investidores privados fariam um aporte superior aos seus ganhos? Não há lógica de ganho nessa proposta ofertada pelo Governo de São Paulo, visto que além de manter a estrutura existente hoje, precisaria aumentar as estruturas, principalmente de tratamento de esgoto, além de cobrar menos pelo serviço. O que naturalmente não irá ocorrer, nem no melhor cenário econômico possível.

No que tange à segurança regulatória, não cumpre destacarmos o referido item, visto que o Município continuará, como previsto pela Constituição (1988), confirmado pelo STF (2013) e reafirmado pelo Marco do Saneamento (2020) - nesta ordem-, sendo o detentor da titularidade do Saneamento Básico, devendo manter e criar órgãos reguladores para fiscalização do serviço.

Quanto à forma que ocorrerá a desestatização, cumpre esclarecer que as modalidades licitatórias foram as piores escolhidas para manter a qualidade do serviço, visto que a opção foi pelo pregão ou leilão, afastando o pouco discernimento que poderia haver para melhoria técnica, o que somente poderia ocorrer se o diálogo competitivo fosse a escolha, visto que suas fases permitem uma melhoria na qualidade técnica pré e pós edital.

O fato do Estado ser titular de uma ação preferencial de natureza especial “golden shere”, não garante que ele atuará enfaticamente, pois o próprio texto ressalta a discricionariedade na intervenção do órgão da administração pública, ou seja, o poder de escolha pode defender interesses que onerem a população.

A criação do FAUSP - Fundo de Apoio à Universalização do Saneamento no Estado de São Paulo, naturalmente será muito pequeno para atender o que propõe. Isso ocorre porque, ou ele servirá para suportar os prejuízos dos acionistas - o que não suportará por muito tempo -, ou ele terá que ser utilizado diariamente, frente às constantes enchentes (serviço de saneamento - drenagem de águas) que destroem todos os dias os municípios do Estado de São Paulo por falta de planejamento e ações eficazes, principalmente a capital e a região metropolitana.

Por fim, eis os motivos breves que justificam que a desestatização é mais um preço salgado que a população e o Estado paga pelas escolhas de gestores que vêem o que até hoje é questionado por todos administrados, quem está ganhando com tudo isso?


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